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  22:29

Ou Malu Gaspar mentiu, ou Moraes acha que pode controlar até a imaginação alheia

 Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

As revelações sobre os encontros entre Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, e o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, colocam o país diante de uma vergonha mundial. O poder que deveria ser o mais confiável de uma República, o judiciário, está atolado em escândalos por cima de escândalos. No último caso, do Alexandre de Morais usar seu poder para defender o cliente [banco máster] da sua esposa, há duas possibilidades, ambas igualmente graves na Democracia: ou a jornalista Malu Gaspar, de O Globo, inventou uma história com seis fontes diferentes, algo tão absurdo que beira a ficção; ou o ministro Alexandre de Moraes está mentido descaradamente em suas notas oficiais sobre a natureza e o propósito dos tais encontros com presidente do Banco Central.

E convenhamos: se Gaspar tivesse mentido, se tivesse atribuído ao ministro da Suprema Corte ações ilegais ou impróprias envolvendo o Banco Central, o Banco Master e um contrato de mais de R$ 129 milhões ligado ao escritório de sua esposa, ela, a jornalista, já teria sido alvo de medidas duríssimas impostas pelo próprio Morais. Em qualquer outro caso envolvendo qualquer outro cidadão brasileiro, sem ou com foro privilegiado, o próprio Moraes já teria determinado investigação, ordenado diligências imediatas da Polícia Federal, quebrado sigilos e aberto inquérito em horas, não dias. Mas será se ele vai mandar quebrar o sigilo bancário da própria esposa? Ou vai mandar investigar a sim próprio quebrando seu sigilo telefônico?

Contradições demais para ignorar

Os fatos são públicos:

  • A jornalista Malu Gaspar relatou pressões diretas de Moraes sobre Galípolo em favor do Banco Master.
  • Seis fontes independentes confirmaram o mesmo roteiro.
  • O escritório da esposa de Moraes recebeu um contrato milionário do Master para atuar justamente em frentes do Banco Central, Receita Federal e Congresso.
  • O encontro entre Moraes e Galípolo existiu, o próprio BC e o próprio ministro confirmaram.
  • Mas a reunião não aparece na agenda oficial, nem de Galípolo, nem de nenhum diretor do Banco Central.
  • O jornal Folha relatou agora divulgou que Morais pressionou até a Polícia Federal em favor do Master

Não se trata de um detalhe burocrático. A omissão de reuniões com agentes externos vai contra o padrão de transparência do BC. Tudo aparece na agenda: encontros com deputados, com empresários, com banqueiros, até com o próprio Daniel Vorcaro, presidente do Master, preso pela PF em novembro. Mas a reunião com o ministro do STF simplesmente sumiu.

Como acreditar que isso é normal?

Notas de Morais não batem nem nas datas

Primeiro Morais passa dois dias calado. De repente divulga duas com duas versões em um intervalo de apenas três minutos, trocando o nome de instituições financeiras que supostamente participaram de reuniões coletivas sobre a Lei Magnitsky. Trocar Bradesco por Santander, em três minutos, não é erro de digitação. É revisão de narrativa. É o famoso e perigoso "vai que cola". 

Segundo o jornal Estadão, às 9h27min, o texto de Morais falava em uma reunião com os presidentes da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, a Febraban, o BTG e dos vice-presidentes do Bradesco e do Itaú. Na sequencia, às 9h30min, uma segunda nota cita o Santander em vez do Bradesco.

Minutos antes desta postagem. Morais divulgou a terceira nota

O Banco Central, por sua vez, publicou uma nota de pouco mais de uma linha totalmente evasiva, confirmando as reuniões, mas sem indicar datas, locais, frequência ou duração.

E há o ponto central dessa celeuma: as datas das alegadas conversas não coincidem com o período de aplicação da Lei Magnitsky, que seria, segundo Moraes, o único motivo dos encontros. A linha do tempo simplesmente não fecha. A jornalista citou telefonema ainda no mês de julho de Morais para o BC. E Morais, em suas notas, se quer tocou no assunto. Mas isso se define rápido com uma quebra de sigilo telefônico, viu STF? Viu, Xandão?

Se fosse qualquer outro brasileiro…

Há um elemento que deveria envergonha o pais democrático, de combate a corrupção, de seriedade: a relação direta entre o ministro, o Banco Master e o contrato milionário recebido pelo escritório de sua esposa. Em qualquer democracia madura, isso já seria suficiente para exigir afastamento temporário, investigação independente e auditoria completa das comunicações entre as partes. O segundo é outro ministro, Dias Toffoli, viajar com tudo pago por um empresário e no mesmo “barco” esta o advogado do cliente que em seguida pediria sigilo total do caso a quem? A Toffoli. E ganhou! Não parece algo orquestrado?

Mas aqui, quando a suspeita envolve alguém que concentra o poder nas mãos, o silêncio institucional, politico e até da imprensa se torna quase ensurdecedor. Para piorar, quem acusa vira o acusado.

Vamos lembrar-nos do caso de Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes. Ele fez graves denúncias de que Morais fraudou relatórios, inseriu documentos que autorizariam uma operação, depois da operação já realizada, entre outras denúncias gravíssimas, se forem verdades. Tudo isso seria facilmente comprovado com perícia no computador, nos documentos e no acesso aos sistemas. Não foi feita nada. Tagliaferro, por isso, virou foi réu por violação de sigilo funcional. E quando um hacker entrou num grupo de procuradores e expôs conversas deles com juiz da Laja Jato o que aconteceu? Acabaram com a operação e liberaram todos os condenados, inclusive o atual presidente Lula.  

Se essas acusações contra Morais, sua esposa, Toffoli recaíssem sobre um governador, sobre um deputado, sobre um empresário ou mesmo sobre um jornalista, não restaria pedra sobre pedra. O próprio Moraes já teria, como já fez por menos, determinado abertura de inquérito imediato, condução de testemunhas, bloqueio de contas, quebra de sigilos, apreensão de celulares e computadores e, provavelmente, prisão no mínimo domiciliar.

Mas quando chega à sua própria porta, o mesmo rigor simplesmente desaparece.

A pergunta que permanece

Diante de tantas inconsistências, omissões e versões conflitantes, resta ao cidadão comum uma pergunta simples e inevitável: se Malu Gaspar não mentiu, quem está mentindo?

E se Malu não está mentindo, o ministro está. E por que não está sendo submetido ao mesmo procedimento que ele mesmo impõe aos outros?

Este episódio, cheio de lacunas e movimentos atípicos, deixa claro que o Brasil precisa, urgentemente, discutir mecanismos de controle que alcancem todos, inclusive aqueles que ocupam as cadeiras mais altas da República. Essas ações de ministros é a certeza que eles estão acima da lei ou a certeza que ninguém iria “mexer” com eles.

A democracia não sobrevive quando alguns estão acima da dúvida.

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